Fruta é rica em propriedades medicinais e impressiona pela quantidade de aplicações e benefícios. Caju: o fruto verdadeiro é a castanha e não a polpa.
Ana Elisa Sidrim/Embrapa
“Tomo guaraná, suco de caju, goiabada para a sobremesa. Tomo guaraná, suco de caju, goiabada para a sobremesa…”
Quem é que não se lembra da canção que fez tanto sucesso nos anos 1980 na voz de Tim Maia? A letra traz nomes de praias cariocas conhecidas e tem no refrão iguarias da cultura brasileira. Entre elas, o nosso caju. Tropical em todos os aspectos – cor, cheiro, sabor e nome – é um item bastante aproveitado na alimentação, em especial na região Nordeste do Brasil.
A palavra caju, originária do tupi-guarani acayu ou ¬aca-iu, para os indígenas tinha um significado importante: representava o período entre uma safra e outra, ou seja, era a medida (aproximada) de um ano. A passagem do tempo, portanto, era contada em cajus. Para os cientistas, o caju brasileiro se enquadra no gênero Anacardium – nome que remete à sua semelhança com um coração (ana=forma cardium=coração) – e pode ser das espécies A. occidentale (o mais comum), A. humile (cajuí), A. giganteum (caju-da-amazônia), entre outras.
Na fala popular, o que muitas vezes é tido como fruto do cajueiro, na realidade é um ‘cabinho’. O fruto mesmo é a castanha. A haste inchada que sustenta a castanha, no linguajar científico, é um pedúnculo floral modificado. De cor amarela, rosada ou vermelha, é suculento, carnoso e rico em vitamina C e vitaminas do complexo B. E essa apetitosa aparência é o que lhe vale o nome de fruto para quem vai consumi-lo.
De seu suco filtrado, engarrafado e cozido em banho-maria, por exemplo, se faz a famosa cajuína, bastante apreciada e consumida gelada. Se o mesmo suco, depois de filtrado e cozido, for misturado com álcool, transforma-se na jeropiga, um vinho de caju, mais ou menos encorpado a gosto do freguês. E o mocororó é o suco fermentado, cru ou cozido, um vinho mais fino.
Caju não é fruto, mas um pedúnculo floral
Reprodução / Globo Rural
Nativo dos tabuleiros e dunas da zona costeira do Brasil, o caju comum já era citado no século 16 por viajantes europeus, como o frade franciscano, cosmógrafo e escritor francês André Thevet, que o descreveu, em 1558:
“O país produz frutos em abundância, árvores e raízes cordiais, com uma grande quantidade de árvores que eles denominam acajus, que portam frutos grandes como um punho, na forma de um ovo de ganso. Alguns fazem uma certa beberagem, bem que o próprio fruto não é bom de comer, lembrando o gosto de uma sorva meio madura. Na ponta desse fruto há uma noz grande como uma castanha, na forma de um rim de lebre. Quanto ao caroço de dentro, é muito bom de comer, desde que se passe ligeiramente pelo fogo. A casca é cheia de óleo, mais do que nós tiramos aqui da noz. A folha dessa árvore parece com a de uma pereira, um pouco mais pontuda e avermelhada na ponta.” (em As singularidades da França Antártica).
Hoje sabemos que o caju oferece muito mais do que alimento. “Quando madura, a castanha do caju apresenta uma casca bastante dura e cheia de um óleo viscoso, cáustico e inflamável que abriga a amêndoa. A partir da II Guerra Mundial, esse óleo se transformou em um produto estratégico para a indústria por suas qualidades isolantes e protetoras. Atualmente existem mais de 200 patentes industriais que o utilizam como componente”, citam os autores de Frutas no Brasil, Helena Tassara e Silvestre Silva.
Pedúnculo floral é suculento e rico em vitaminas C e B
Sandro Menezes
O guia de plantas medicinais do Instituto Plantarum ainda explica que o tronco da árvore exsuda uma secreção gomosa, que fica sólida depois de seca, denominada resina-de-cajueiro. A goma purificada é usada pela indústria farmacêutica como agregante em comprimidos no lugar da goma-arábica produzida na África.
Enquanto a árvore do caju costeiro, de copa baixa, tem altura que varia de 5 a 10 metros, seu parente do interior, o cajuí é um pequeno arbusto lenhoso, de pouco mais de 25 cm de altura, provido de um grosso e tortuoso caule subterrâneo que emite ramos aéreos formando verdadeiras colônias. Nativo das áreas de cerrados arenosos, campos cerrados e campos rupestres de todo o país, o cajuí tem o pseudofruto menor, mas mais doce e de sabor mais concentrado do que o do caju-verdadeiro, servindo para a fabricação de doces em calda de dar água na boca!
O Cerrado tem ainda outras espécies menos abundantes, como o caju-rasteiro (A. pumilum) e o caju-de-árvore-do-cerrado (A. othonianum) que, assim como seus ‘primos’, têm a polpa consumida em sucos, licores e doces e a castanha com sal, depois de torrada. Aliás, a castanha de caju é um capítulo à parte.
De cor amarela, rosada ou vermelha, é suculento, carnoso
Rudimar Narciso Cipriani
Podem ser várias suas utilizações em nossa culinária. Da amêndoa – rica em proteínas, calorias, lipídios, carboidratos, fósforo e ferro – é extraído um óleo comestível, substituto do azeite de oliva. Quando verde, a castanha volumosa e tenra – mais conhecida como maturi – é ingrediente especialíssimo na cozinha nordestina, compondo a famosa frigideira de maturi com camarões secos, um prato baiano cuja receita ficou imortalizada na obra Tieta do Agreste, de Jorge Amado.
O óleo da castanha tem uma composição interessante para a manutenção da saúde, além de ter uma concentração de substâncias que podem funcionar como antibióticos naturais.
Multiplicidade caseira
Na medicina popular, segundo o Instituto Plantarum, preparações de partes do cajueiro são tidas como antidiabéticas, adstringentes, antidiarreicas, depurativas, tônicas e antiasmáticas. Para o uso externo é recomendado o cozimento da entrecasca, em bochechos e gargarejos, como anti-séptico e anti-inflamatório nos casos de feridas e úlceras da boca e afecções da garganta, embora sua eficácia e segurança terapêutica ainda não tenham sido comprovadas cientificamente.
É preciso ter cuidado com o líquido da castanha de caju, capaz de causar forte irritação na pele, deixando cicatrizes quase indeléveis, embora suas propriedades anti-sépticas tenham sido demonstradas em ensaios farmacológicos, sobretudo no combate aos micro-organismos responsáveis pela cárie dental e pela acne. O líquido também parece ser eficiente como vermicida e moluscida.