
Em três meses, os tons amarelados se transformam no verde exuberante. Especialista explica estratégias das plantas do semiárido para suportar a escassez de água. Vídeo mostra mudança da paisagem entre períodos de seca e de chuvas no sertão do Ceará
As chuvas que trazem esperança para o sertanejo também transformam a paisagem do sertão do Ceará. Na cidade de Graça, a 255 quilômetros de Fortaleza, um vídeo mostra o contraste do mesmo cenário antes e depois do início das chuvas.
Com uma diferença de três meses, as imagens evidenciam os dois momentos da vegetação da caatinga. De acordo com o período, as plantas do semiárido brasileiro têm estratégias diferentes para sobreviver (leia mais abaixo).
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As imagens foram feitas por Raí Araújo, de 30 anos, na passagem do rio Urubu, na zona rural de Graça. O período seco foi registrado em outubro de 2024. O verde e as águas correntes do período chuvoso foram filmados em janeiro de 2025.
O município fica próximo à Serra da Ibiapaba, e o trecho nas imagens fica na localidade de Barro Vermelho, quase na metade do caminho entre os centros de Graça e Pacujá.
Por ali, a chegada das chuvas anima a programação do fim de semana. Como explica Raí, que é motorista de caminhão e mora na região, as águas do rio Urubu atraem banhistas em busca de lazer e tranquilidade.
É tempo de oportunidade para os donos de dois pequenos bares perto do rio, pois os moradores costumam depender apenas da agricultura para o próprio sustento.
“Com a chegada do ‘inverno’, os comerciantes que ficam ali próximos à ponte do Urubu acabam faturando com a venda de comida, bebida, sorvete, essas coisas… O pessoal vai tomar banho, leva a família, vai comer. Isso atrai banhistas de outras cidades, o pessoal vai lá tomar banho e leva um som pra curtir”, comenta Raí.
Ele explica que os dois bares têm movimento apenas durante o período chuvoso, ficando fechados pelo resto do ano.
Banhistas frequentam rio Urubu, em Graça, nos períodos chuvosos
No Ceará, o período mais chuvoso ocorre entre os meses de fevereiro e maio, com as chuvas de pré-estação chegando em dezembro e janeiro.
Sobrevivência das plantas no semiárido
A caatinga é o bioma predominante em todos os municípios cearenses. Nesta região natural, o clima do semiárido tem um período de chuvas irregulares nos primeiros meses do ano. Além disso, há ciclos de seca que duram anos. O ciclo mais recente foi de 2012 a 2016 no Ceará.
As plantas do semiárido brasileiro contam com algumas estratégias para sobreviver neste clima. Boa parte das espécies de árvores perde as folhas nos meses sem chuva, como explica Francisca Soares de Araújo, professora titular do Departamento de Biologia da Universidade Federal do Ceará (UFC).
“Perder folhas é uma estratégia para evitar a perda de água. Elas perdem as folhas para diminuir a evapotranspiração”, explica a professora, que também ensina na pós-graduação em Ecologia e Recursos Naturais.
É pela estrutura das folhas que as plantas liberam para o ar água em forma de vapor. Quando diminuem ou zeram a quantidade de folhas, elas se protegem contra a desidratação.
Outras plantas resistentes às secas são aquelas com espinhos e caules verdes. Os espinhos são vistos em espécies cactáceas, como o mandacaru e o xique-xique. Estes espinhos ajudam a espantar os animais que possam tentar se alimentar delas.
Imagens mostram mudança de cenário no sertão cearense após início das chuvas
Raí Araújo/Divulgação
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Os cactos também têm folhas transformadas em espinhos e fazem a fotossíntese no próprio caule, de cor esverdeada. Estas espécies também têm caules suculentos que armazenam água, explica Francisca Soares.
Já entre as ervas, existem outras táticas. De pequeno porte, as espécies herbáceas da caatinga “encurtam” o ciclo de vida para caber nos meses com chuva. Algumas delas fazem todo o ciclo de germinar, crescer e dar flores e frutos em apenas 20 dias.
Nos meses sem água disponível, as herbáceas da região assumem a forma de sementes e ficam no solo aguardando as próximas chuvas.
“Quando você passa na caatinga no período seco, você vê as árvores com galhas e sem folhas, mas você não vê as herbáceas, estão todas mortas. Quando vêm as chuvas, elas germinam rapidamente, crescem e se reproduzem”, comenta a professora.
Mudanças climáticas
Bioma da Caatinga ocupa mais da metade do território nordestino
Reprodução/TV Globo
As espécies da caatinga são aquelas que se adaptaram para resistir ao clima semiárido. A paisagem que conhecemos hoje na região se formou entre 2 e 5 milhões de anos no passado, contextualiza Francisca Soares.
Na história climática da Terra, os períodos de resfriamento e aquecimento deixaram vestígios nas regiões mais elevadas do Ceará. Assim, as vegetações mais úmidas e paisagens verdes o ano inteiro podem ser vistas em locais como o Maciço de Baturité e a Serra de Maranguape.
Como explica a pesquisadora, nos solos pedregosos de terras mais baixas, com altitudes abaixo dos 500 metros, predomina a vegetação da caatinga. O bioma conta com cerca de 3 mil espécies na fauna e na flora.
No entanto, a biodiversidade da caatinga está ameaçada. Estudos recentes mostram que as mudanças climáticas podem resultar na perda da vegetação do bioma em até 99% até 2060.
Segundo Francisca, a estimativa é que o aquecimento global reduza em 30% as chuvas na região Nordeste, com temperaturas até 4º C mais altas.
Com isso, as plantas maiores e de folhas mais grossas deverão desaparecer, resultando na expansão das espécies de pequeno porte e de ciclos de vida ainda mais curtos.
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