Por Samuel Max Gabbay e Pedro Solomon Mota
A luta contra o racismo é fundamental para qualquer sociedade que se considere evoluída. Impedir o ódio – seja explícito ou velado – é uma tarefa intergeracional que requer um esforço educacional para desfazer pilares históricos errôneos. O primeiro passo para combater essa prática é reconhecer sua existência. O brasileiro não se reconhece racista. Não sendo o racismo reconhecido é como se ele não existisse e nenhuma mudança fosse necessária.
Comecemos com a premissa básica da luta antirracista – o respeito à voz da vítima. Ela, como agente passivo do crime que é cometido e das feridas de micro agressões diárias, sabe quando está sendo atacada. Por isso, mister que sua voz seja ouvida e respeitada. A vítima tem que ser compreendida e abraçada.
O segundo ponto a ser ressaltado é a homogeneização de todo um grupo com estereótipos desqualificadores ou que lhe tiram a legitimidade e individualidade. Assim, é retirado o caráter individual das pessoas de um grupo, os igualando e nivelando, com desrespeito à pluralidade existente dentro de qualquer grupo.
Um outro traço característico, também colocado como “livre arbítrio do comerciante”, é a recusa a fazer negócios com pessoas de determinado segmento ou grupo, sob a escusa da autonomia individual.
Elencados esses três pontos, destaco o triunfo das Fake News e a banalização do racismo.
Passado mais de um século da autoria dos “Protocolos dos Sábios de Sião”, texto antissemita que prega estar em curso uma conspiração mundial por parte dos judeus, esse libelo acusatório segue no inconsistente coletivo como se fosse uma verdade, o que dificulta até mesmo o reconhecimento do que é racismo, ou, sendo mais específico, o racismo contra judeus (antissemitismo).
No livro “Os judeus não contam” (David Baddiel), é abordado como o antissemitismo se tornou tão banalizado que até os próprios judeus muitas vezes deixam de protestar ou reconhecer a hostilidade contra eles. Como judeu, é impossível não se identificar com as situações descritas na obra.
Frequentemente, somos questionados quando denunciamos práticas antissemitas. Para piorar a situação, em vez de os interlocutores apoiarem a luta contra o racismo, preferem menosprezar tal afirmação como sendo “mimimi” e “vitimismo sem fundamento”, simplesmente porque exigimos respeito e igualdade. A vítima judia é sempre colocada como culpada e a sua dor é relativizada ou ignorada. Assim, o problema não é reconhecido e combatido.
Enquanto qualquer grupo racial tem legitimidade de denunciar o racismo cometido contra si, ao judeu este direito jamais será conferido.
“Todo judeu é rico”; “você é rico, você é judeu”; “não existe judeu pobre”, até o obtuso “para um judeu você até é legal”. Penso que qualquer judeu que se identifique como judeu, abertamente, já escutou isso ao menos uma vez na vida. E, por óbvio, “é apenas uma brincadeira”.
A esquerda acusa todo judeu de ser de direita e a direita, por sua vez, acusa os judeus de serem pais e defensores do comunismo. A verdade é que os judeus são um grupo plural, com pessoas de todos os matizes políticos e todo tipo de classe social. De pessoas que vivem na extrema miséria até pessoas com excelentes condições sociais. Estamos longe de ser um grupo homogêneo e de termos pensamentos unívocos.
Mas, tais estereótipos foram tão propagados que nos vemos obrigados a explicar o óbvio neste pequeno espaço. Quando tornam os judeus iguais, na verdade, você destrói a individualidade de todos (desumanizando-os) e reforça o racismo, que também não é reconhecido nestes casos.
“Não comprem de judeus”, já vi esta frase de várias pessoas, inclusive, dita por intelectuais. Os fundamentos para tanto, são os mais diversos possíveis, mas, sempre com mesmo pano de fundo. Afinal, o racismo velado sempre tem um bom fundamento. Chegamos ao absurdo do governo brasileiro de cancelar compras lícitas de “judeus”, como bem observou o Ministro de Defesa José Múcio, ao denunciar a prática, o que ensejou, inclusive, reprovação explicita pelo Tribunal de Contas da União.
O dia 27 de Janeiro é o “Dia Internacional da Lembrança do Holocausto”. Neste dia de memória, com pesar informo que só temos dor e lamento. O “Never Again” foi esquecido, com o antissemitismo atingindo níveis alarmantes. As agressões diretas ou micro agressões contra judeus estão sendo praticadas todos os dias (para não entrar nas ameaças e agressões físicas). Para piorar, tal qual no período do Holocausto, quando o mundo se calou, atualmente o mundo permanece calado ou, mais lamentável, culpando os próprios judeus pela agressão sofrida.
Hannah Arendt, lamentavelmente, estava correta quando propagou a banalidade do mal. O mal do antissemitismo é presente, latente, pujante e crescente. Tal fato, não só é ignorado por todos, mas também as próprias vítimas parecem que estão se afogando, de tantas agressões sofridas, a ponto de normalizá-las.
Vemos claramente o triunfo da mentira dos “Protocolos dos Sábios de Sião” e a banalização do racismo. Mas, o racismo só é reconhecido contra outros grupos. Contra os judeus pode, é normal, é relativizado ou mera brincadeira.
No dia de memória às vítimas do Holocausto só nos resta dor, mas, não podemos sequer chorar alto, pois nossa voz tem sido calada. O Never Again é o agora, pois todos os dias continuamos a ser agredidos.