Japonês faz há meio século fotos para documentos no Estado

Japonês faz há meio século fotos para documentos no Estado

|  Foto:
Kadidja Fernandes/AT

O fotógrafo japonês Shiro Irie, de 82 anos, se tornou referência em fotos para documentos no Espírito Santo. Ele trabalha com fotografia há 62 anos, e só no Estado tem meio século de experiência.A humildade de reconhecer que precisava melhorar, a disposição para estudar e aperfeiçoar e a adaptação às novas tecnologias são pontos chaves que o permitiram atravessar tantas décadas realizando o mesmo trabalho, de formas diferentes.A reportagem conversou com ele para saber um pouco mais sobre a sua história, por trás de mais de 144 mil fotos, que revelam histórias, começando em preto e branco e ganhando cores.A Tribuna – Onde o senhor nasceu?Nasci na Ilha Formosa, atual Taiwan, que era colônia japonesa antes da Segunda Guerra Mundial, por isso sou japonês. Meu pai viveu uns 20 anos lá, tinha emprego fixo e casa própria. Eu e meus irmãos nascemos lá. Assim que terminou a guerra, fomos obrigados a sair e cada um só podia levar uma mochila. Foram para onde?Fomos para Fukuoka, onde meus pais nasceram e morava a maioria dos irmãos do meu pai. O governo cedeu um terreno no meio da montanha para algumas famílias sobreviverem. Era cheio de árvores, meu pai cortou, fez casa própria e lá ficamos quase nove anos. Como decidiram vir para o Brasil?Nesse período houve uma propaganda do governo de que no Brasil estava precisando de mão de obra para trabalhar na lavoura e que pagava bem.Viemos em 1957. Chegamos em Santos, São Paulo, como imigrantes. Depois da Segunda Guerra Mundial, o Japão não estava muito bem, faltava trabalho, alimentação e a gente passou muita dificuldade. E no Brasil estava faltando mão de obra, acho que a ideia casou entre os governos. Viemos meus pais, eu e outros dois irmãos. A única irmã e um irmão ficaram no Japão.Como foi a viagem? Eu tinha 14 anos, no navio de quase 100 metros de comprimento, tinha um monte nessa faixa de idade, era uma alegria danada, brincadeiras de esconde-esconde. Não tinha noção do que estava acontecendo, e agora que sou pai, entendo o que meus pais passaram. Nós pegamos um navio de origem holandesa via Hong Kong, Singapura, atravessando o Índico, África, Cabo da Boa Esperança e chegando ao Brasil. Levava dois meses. Tudo no porão, classe econômica. Como foi esse recomeço? Para receber a Carteira de Identidade Permanente para Estrangeiro nós tínhamos que trabalhar em uma fazenda de café, em São Paulo, com contrato de quatro anos. Colher, capinar, serviço pesado o ano inteiro. Se saísse antes ou fugisse, não receberia o documento. Conseguiram o documento? O que fizeram depois? Conseguimos. Depois de seis anos, saímos dessa fazenda. Nós nem falávamos português direito, então procurávamos ir para onde tinha colônia japonesa. Perdi a conta de quantas vezes mudamos. Saíamos as famílias Irie e Fukuda, juntas desde o navio. Sempre lavoura. Por último, chegamos perto de Jundiaí, São Paulo. Até lá a família Fukuda estava junto e depois nos separamos. Meu pai conseguiu comprar um terreninho em Jundiaí. Como a fotografia entrou na sua vida?Depois, parei em Itapecerica da Serra, São Paulo. Encontrei um fotógrafo que é japonês e comecei a aprender fotografia e gostei. Eu tinha uns 20 anos.Ele tinha um estúdio e fazia foto para documentos, casamento, tudo. Entrei como aprendiz, ele me ensinou e como tinha outros negócios, deixou para mim essa parte e depois eu que tomei conta. Uma vez por mês, eu ia a São Paulo para fazer compra de material fotográfico. Um dia, indo às compras, vi no Centro de São Paulo, as vitrines dos fotógrafos de lá. Pensei: “Não tenho como competir, a minha fotografia está bem inferior. Se vou viver de fotografia, tenho que fazer minha parte”.O que decidiu fazer para melhorar seu trabalho? Decidi sair da cidade, estudar fotografia e começar de novo. Falei com o meu patrão e consegui uma pessoa que garantiu que eu fosse para o Japão, fiquei cinco anos em Tóquio aprendendo. Era um estúdio que tirava fotos para documentos e fazia casamentos no estilo japonês, muito antigo e tradicional, em um bairro muito famoso. O meu professor veio de uma família de várias gerações de fotógrafos. De 1965 a 1970 fiquei em Tóquio. Foi pensando em voltar? Com certeza, já estava namorando naquela época. Nos conhecemos em Itapecerica da Serra, onde aprendi a fotografar. Temos três filhos capixabas. Como chegou ao Espírito Santo? A família Fukuda veio parar em Linhares, no Espírito Santo. Quando eu voltei do Japão fui para o casamento da filha deles, representando a minha família. Na volta o filho do Fukuda me mostrou o Convento da Penha e o Farol de Santa Luzia. Nossa, realmente quando vi aquela paisagem me arrepiei! A praia estava toda azul, quando vinha a onda, via os peixes. Já tinha montado um estúdio pequeno em São Paulo, mas pensei em fazer minha vida aqui. Comecei a montar o estúdio aqui em 1974. E depois voltei para casar. Casamos dia 20, porque dia 21 foi feriado. Nossa viagem de lua de mel foi dentro do ônibus vindo para o Espírito Santo. Não tinha dinheiro.Em 1975 registrei Foto Japan (seu estúdio). O começo foi há duas quadras daqui (do endereço atual na Praia do Suá) e fiquei 30 e poucos anos, depois vim para cá. O que mudou depois do curso no Japão?Naquela época chamava-se retoque, tudo feito com lápis. Retoque bem feito no Brasil era valorizado. Só tinha para fotos em preto e branco, depois, nas coloridas não tinha mais. O que te tornou referência em foto para documento? Sempre ouvi que fotografia para documento nunca fica boa. Decidi desafiar isso há 50 anos no Espírito Santo. Gosto é de cada um, então é difícil satisfazer o freguês, o que é a minha meta. Como o senhor aprendeu a fazer fotos de passaporte? Todo mundo tirava fotos e todas eram recusadas. Fui procurar saber porquê minha foto não foi aprovada, e é questão de conversar. É obrigação do fotógrafo saber tamanho, dimensão. Depois que procurei os consulados, entendi como era a foto que eles precisavam e nunca mais tivemos problemas. Hoje te procuram mais para qual tipo de foto? As fotos fora do estúdio quem faz é meu filho. Dentro do estúdio eu faço. As fotos de fregueses antigos principalmente. Vou atender até terminar a documentação ou minha saúde não permitir. Já fotografei os filhos dos meus fregueses, e muitos estão trazendo os netos para eu fotografar. Já fotografou famosos e personalidades? Já fotografei muitos governadores como Albuíno Azeredo, Max Mauro, Gerson Camata. e também ator da Globo. Quanto tempo de carreira e quantas fotos feitas? Comecei com 20 anos. Estou com 82 anos. São 62 anos de profissão, sendo 50 em Vitória. Qual é o segredo?Tem que gostar, atender bem e melhorar a qualidade. Estou aqui por causa dos consulados que estão em Vitória e algumas agências que me dão preferência. A foto para o passaporte da Alemanha é uma, para o passaporte europeu em geral é outra. Visto para o mundo inteiro é outra. Quais as vantagens e desvantagens de trabalhar na mesma profissão há tantos anos? A fotografia me deu a alegria de conhecer muitos fregueses. Fiz pelo menos 144 mil fotos. Foi com a fotografia que criamos nossos filhos. Casaram, tenho genro capixaba, noras capixaba, netos capixabas. Como foi ver a evolução dos equipamentos? Quando comecei, todo mundo usava uma máquina que era uma caixona de madeira, com tipo uma sanfona, não entrava filme. O freguês escolhia o tamanho da fotografia e a gente colocava uma chapa de acordo na cabine escura, tirava e revelava. Já tinha máquina pequena para fazer reportagem, meu patrão tinha Rolleiflex que usava filme. Depois tinha que revelar, tudo em preto e branco. Atualmente mudou tudo. Consegui acompanhar o sistema digital com a ajuda dos meus filhos. E eu também não conseguiria estar trabalhando até hoje se não fossem os capixabas, pois cheguei sem conhecer ninguém, então sou muito grato.

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